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Artigo – Imunidades do ITBI e caso de incorporação de imóvel em realização de capital social – Por Eduardo Rodrigues Brito

O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é o tributo de competência municipal sobre as transações imobiliárias, disciplinado no artigo 156, II, da Constituição e nos artigos 32 a 42 do Código Tributário Nacional.

O fato gerador desse imposto consiste na alienação por ato “intervivos” e de forma onerosa, abarcando em regra todo tipo de transmissão. Ou seja, não só na compra e venda de imóveis, mas também nos diversos institutos estabelecidos no Código Civil, como por exemplo a permuta e a cessão de posse, operando-se mediante o registro do negócio jurídico, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça no AgRg nos EDcl no AREsp 784.819/SP.

Todavia, existem algumas situações em que o ITBI não poderá ser cobrado em virtude das normas imunizantes, especificamente, pode-se citar três tipos de imunidades, as quais impedem que os municípios realizem a cobrança deste tributo aos contribuintes.

A primeira imunidade consiste nos direitos reais de garantia sobre imóveis, aplicada à hipoteca e à anticrese, disciplinados nos artigos 1.473, I e 1.506, do Código Civil, respectivamente.

As demais normas imunizantes estão dispostas do artigo 156, §2º, I, da Constituição, a saber:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

  • 2º. O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.

Assim, no que tange à redução da carga tributária dos casos elencados acima, a imunidade do ITBI se tornou um atrativo para os empreendimentos imobiliários, bem como para os planejamentos sucessórios e restruturações patrimoniais, uma vez que a condição para adquirir a imunidade seria a preponderância da atividade, a qual não poderia ser imobiliária.

Na praxe, a interpretação do dispositivo constitucional comumente ocorria nesta premissa orientada pela preponderância da atividade não imobiliária, a qual pode ser identificada com base na receita operacional da empresa.

Dentro da perspectiva deste costume, não havia a preocupação sobre o valor do bem incorporado, vez que incidia a imunidade do ITBI sobre todos os bens imóveis em integralização do capital social, desde que observada a preponderância não imobiliária. Nesse sentido, firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul AP nº 70037092442 / RS.

Porém, a Constituição Federal no artigo 156, §2º, I, restou omissa sobre a questão relacionada ao alcance dessas imunidades tributárias, visto que não se sabe se a norma imunizante alcança somente o valor do limite da integralização do capital social, ou todo o valor do bem imóvel integralizado.

Além disso, constatou-se um equívoco de interpretação em relação a ressalva realizada no dispositivo, pelo qual acarretará em uma nova tese tributária, a ser explanada mais adiante neste artigo.

Ações judicias tributárias tramitaram a fim de solucionar o questionamento sobre essa omissão, até que em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 796.376 (Tema 796), em que se discutia a imunidade relacionada ao ITBI e a sua exigência de pagamento sobre a diferença entre o valor do capital social integralizado com os imóveis e o valor total destes bens incorporados a empresa, sendo a diferença destinada para a conta de reserva de ágio.

Por conseguinte, o STF, por maioria, fixou a seguinte tese proposta pelo o ministro Alexandre de Morais: “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Morais, aduziu que reconhecer a imunidade do ITBI para os imóveis incorporados ao patrimônio da empresa, no que tange a parte que não foi destinada à integralização do capital subscrito, seria admitir uma interpretação extensiva de imunidade, vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Ademais, complementou que não poderia a título de “pretexto de criar-se uma reserva de capital, (…) imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao fisco municipal”.

O caso concreto chama a atenção em virtude de a diferença de valores entre o capital social e os imóveis incorporados, chegando ao montante de R$ 778.724, o qual estaria totalmente livre de imposto caso o entendimento do STF fosse diverso, o que demonstra o impacto financeiro da discussão.

Dessa forma, restou definido pelo STF que a imunidade do ITBI não é admitida sobre o valor que exceder o capital social que foi integralizado, assim, incidirá ITBI sobre a diferença entre o capital social integralizado e o valor total do bem imóvel incorporado e considerado na transação.

Nota-se que o cerne da questão discutida pelo Supremo no RE nº 796.376 (Tema 796), tratou sobre a norma imunizante do ITBI e o seu alcance sobre o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.

Ocorre que o ministro Alexandre de Morais, no bojo do seu voto, interpretou o inciso I do § 2º do artigo 156 da Constituição, aduzinho que a exceção prevista nesse inciso não se aplica à imunidade prevista na primeira parte do inciso I. Isto é, o benefício da imunidade constitucional também poderá ser aplicado para os contribuintes com atividade preponderantemente imobiliária. Eis que surge uma nova tese para os contribuintes.

Portanto, o STF segregou o dispositivo, dividindo-o em três momentos: a parte inicial a qual trata da imunidade nos casos de incorporação em realização de capital; a segunda parte a qual versa sobre a imunidade nos casos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da empresa; e a parte final tratando da não configuração de imunidade nos casos em que a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Esmiuçando o tema, o ministro esclareceu em seu voto:

“a segunda oração contida no inciso I — ‘nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil’ — revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão ‘nesses casos’ não alcança o ‘outro caso’ referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF”.

Ou seja, a segunda parte do inciso acima trata de uma imunidade condicionada a não exploração pelo adquirente da atividade imobiliária de forma preponderante, enquanto a primeira parte, trata-se de uma imunidade incondicionada, desde que obedeça ao teto do valor do capital subscrito, portanto, pouco implicando, neste último caso, o tipo de empresa e a preponderância de sua atividade ser ou não imobiliária, uma vez que a exceção do artigo 156, §2º, I, da CF, aplica-se somente à segunda parte da norma em questão.

A decisão proferida pelo Supremo no RE nº 796.376 causa por um lado a derrota do contribuinte no que toca a obrigatoriedade ao pagamento do ITBI da quantia destinada à formação da reserva de capital (não isenta), nos casos de integralização dos bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital.

Por outro lado, abre a possibilidade para as empresas que mesmo exercendo a atividade preponderantemente imobiliária possam se beneficiar do não recolhimento do ITBI quando da integralização de seus imóveis, respeitando o limite da cota a ser integralizada, portanto, mudando a tradição e indo de encontro ao entendimento majoritário dos tribunais, dado que o parâmetro para fins de cobrança do ITBI era a análise da existência ou não de atividade preponderante, mesmo nos casos de integralização de capital.

Eduardo Rodrigues Brito é advogado do escritório Monteiro e Monteiro Advogados Associados.

Fonte: ConJur