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Artigo – Georreferenciamento para imóveis rurais a partir de 25 hectares

A lei 10.267/01, complementada pelo decreto 4.449/02, exige o georreferenciamento certificado pelo Incra para imóveis rurais, sendo obrigatório para propriedades de 25 hectares ou mais a partir de 21 de novembro de 2023, sob pena de restrições nas transações e alterações no registro.

Introdução

A lei 10.267/01, posteriormente regulamentada pelo decreto 4.449/02, alterou a lei 6.015/73 (lei de Registros Públicos), para impor a averbação da descrição georreferenciada e certificada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária  – Incra, nos imóveis rurais a fim de atender ao princípio da especialidade objetiva, previsto no art. 176, § 1º, da lei de Registros Públicos.

O cumprimento do georreferenciamento foi previsto de forma escalonada, nos termos do art. 10 do decreto 4.449/02. Assim, a partir de 21 de novembro de 2023, os imóveis rurais com 25 hectares ou mais devem ser georreferenciados, certificados no Incra e as matrículas (ou transcrições) retificadas, sob pena da impossibilidade de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural.

  1. Imóvel rural

O conceito de imóvel rural foi definido pelo art. 4º, I, da lei 4.504/64 (Estatuto da Terra) como sendo uma área continua de mesma titularidade com exploração agrícola, independentemente do número de matrículas ou transcrições que tenham aquela área. O imóvel rural é representado pelo Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR.

Para fins de Imposto sobre a propriedade territorial rural – ITR, o conceito de imóvel rural se aplica também para “imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial”, conforme Tema Repetitivo 174 do STJ.

  1. Georreferenciamento e especialização do imóvel rural

A imposição legal para georreferenciar a descrição do perímetro do imóvel rural tem como finalidade especializar a descrição da propriedade rural na matrícula para aumentar a segurança jurídica.

Segundo Eminente Dr. Narciso Orlandi Neto, na sua brilhante obra Registro de Imóveis (Rio de Janeiro: Forense, 2023), especializar é “atribuir características individualizantes que, no conjunto, tornam o objeto inconfundível”.

Por meio do georreferenciamento se obtém a identificação individualizada do imóvel rural, a qual será certificada pelo Incra para atestar que não há sobreposição com outro imóvel rural certificado para, posteriormente, a matrícula ser retificada no Cartório de Registro de Imóveis. A certificação do perímetro do imóvel rural pelo Incra não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário (art. 9º, § 2º, Decreto 4449/02).

No caso de sobreposição de imóveis no cadastro do Incra – Sigef, o profissional responsável pelo trabalho técnico deverá requerer o cancelamento da certificação sobreposta para excluí-la do cadastro do Incra, nos termos da Instrução Normativa Incra 77/13. O requerimento do cancelamento será analisado pelo Comitê Regional de Certificação no prazo legal de 30 dias.

Sem prejuízo à esfera administrativa, o interessado poderá ainda, no caso de sobreposição, propor as medidas judiciais cabíveis.

  1. Documentos necessários para a retificação da matrícula

Para a retificação da matrícula perante o Cartório de Registro de Imóveis da situação do imóvel rural, o interessado (não precisa ser necessariamente o proprietário), deverá apresentar: 1. requerimento assinado e com firma reconhecida ou assinado eletronicamente de forma avançada ou qualificada1; 2. planta e memorial descritivo certificados pelo Incra; 3. ART quitada, assinada e com as firmas reconhecidas ou assinada eletronicamente de forma avançada ou qualificada; 4. Certificado de Cadastro do Imóvel Rural – CCIR atual; 5. Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR atual e 6. declaração firmada sob pena de responsabilidade civil e criminal, com firma reconhecida ou assinada eletronicamente de forma avançada ou qualificada, de que foram respeitados os direitos dos confrontantes, conforme o item 57.2, Cap. XX, das atuais Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, Tomo II e parágrafo 5º do art. 9º do decreto 4.449/02, que regulamentou a lei 10.267/01.

Em que pese haja expressa, clara e objetiva previsão legal2 para dispensa das anuências dos confrontantes e recomendação do CNJ3, a Corregedoria Geral de Justiça e os Cartórios de Registro de Imóveis têm exigido a anuência dos confrontantes, sob suposta alegação de segurança jurídica.

Ocorre que o georreferenciamento e a certificação no Incra não implicam reconhecimento do domínio ou a exatidão do perímetro do imóvel (art. 9º, § 2º decreto 4.449/02). Além disso, a retificação, por óbvio, não cria ou extingue direitos e nem implica em aquisição ou transferência de imóvel ou de parte ideal de imóvel, apenas corrige o registro ou a averbação, mencionados no registro imobiliário e, por fim, o procedimento administrativo não faz coisa julgada e, por isso, pode ser revisto a qualquer momento, caso haja algum prejuízo a terceiro4.

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça também exigem, de forma ilegal, a averbação do número da inscrição no Cadastro Ambiental na matrícula do imóvel e a especialização da Área de Reserva Legal com a indicação do percentual da Área de Reserva Legal5, sob pena de indeferimento de prática de ato registrário, incluindo retificação, usucapião etc.

Caso o imóvel rural se enquadre nas regras previstas nos artigos 67 e 68 da lei 12.651/12 (Código Florestal), o interessado deverá apresentar com o recibo de inscrição no CAR uma declaração, na qual justifique a ausência da indicação da área de Reserva Legal, nos termos da Nota Técnica Conjunta ARISP | SMA | CETESB, datada de 28 de junho de 20166.

  1. Anuência dos confrontantes

Em relação aos confrontantes, a lei 14.382/22, alterou a lei de Registros Públicos, para dispensar a anuência dos confrontantes dos “detentores de direitos reais de garantia hipotecária ou pignoratícia” (art. 213, III, a, lei de Registros Públicos) e dos confrontantes possuidores e detentores (art. 213, II, § 10, lei de Registros Públicos).

Em relação à notificação do confrontante falecido que não haja inventário realizado, o TJ/SP entendeu ser possível  a notificação dos herdeiros para a anuência da retificação de registro imobiliário pretendida, uma vez que a propriedade se transmite  com a abertura da sucessão, por força do princípio da saisine7. Caso haja um condomínio de herdeiros no imóvel confrontante, pode-se requerer a notificação de apenas um dos herdeiros, conforme a regra prevista no artigo 213, § 10, I, lei 6.015/73, que dispensa a intervenção de todos os coproprietários no processo, bastando o ingresso de um deles aos autos para que representem os demais.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL – PRETENSÃO À MODIFICAÇÃO DA DECISÃO QUE INDEFERIU A CITAÇÃO DOS HERDEIROS DOS CONFRONTANTES FALECIDOS – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE INVENTARIANTE PARA REPRESENTAR O ESPÓLIO, NOS TERMOS DO QUE DISPÕE O ARTIGO 75, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – DECISÃO MODIFICADA – RECURSO PROVIDO. (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2117945-71.2023.8.26.0000; Relator (a): Erickson Gavazza Marques; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ourinhos – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/6/23; Data de Registro: 29/6/23)

Considerações finais

O georreferenciamento e a retificação do registro imobiliário são importantes instrumentos para aumentar a segurança jurídica dos imóveis rurais.

A partir de 21 de novembro de 2023, imóveis rurais com 25 hectares ou mais devem ser georreferenciados, certificados no Incra e as matrículas (ou transcrições) retificadas no Cartório de Registro de Imóveis de situação do imóvel rural, sob pena da impossibilidade de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural.

Ademais, para a retificação do registro imobiliário, os imóveis rurais devem estar inscritos no Cadastro Ambiental Rural com a especialização da área de Reserva Legal e o CCIR e o ITR quitados e atualizados.

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1 Decreto n. 10.543, de 2020.

2 Art. 176, § 13 e art. 213, § 11, II, ambos da lei 6.015/73.

3 Recomendação CNJ n. 41, de 2 de julho de 2019.

4 GRUPPI, Bruno Drumond. Os rios públicos e a desnecessidade de anuência dos confrontantes na averbação do georreferenciamento. LAGO, Ivan Jacopetti. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 44, vol. 90, jan-jul 2021, p. 363-374.

5 GRUPPI, Bruno Drumond; SUPPIA, Manuela Cortez. As exigências ilegais do cadastro ambiental rural nas NSCGJ. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/362879/as-exigencias-ilegais-do-cadastro-ambiental-rural-nas-nscgj. Acesso em 5 nov. 2023.

6 Nota Técnica Conjunta ARISP | SMA | CETESB. Portal do RI. Disponível em: https://portaldori.com.br/2016/06/29/nota-tecnica-conjunta-arisp-sma-cetesb/. Acesso em 5 nov. 2023

7 A possibilidade de notificação de um confrontante herdeiro na retificação de matrícula. Drumond Advogados. Disponível em: https://drumondadvogados.com.br/a-possibilidade-de-notificacao-de-um-confrontante-herdeiro-na-retificacao-de-matricula/. Acesso em 5 nov. 2023.

Bruno Drumond Gruppi: Advogado (FMU) associado ao Rodrigo Elian Sanchez Advogados, e geógrafo (USP). Especialista em direito ambiental (COGEAE-PUC/SP), registral e notarial (EPD). Associado fundador e Coordenador do Núcleo Temático de Agronegócios, Ambiental e Imóveis Rurais da ADNOTARE, membro do Ibradim, integrante nomeado da Comissão Permanente do Meio Ambiente da OAB/SP.

Rodrigo Elian Sanchez: Advogado. Bacharel em direito (USP) e em relações internacionais (PUC/SP). Especialista (FGV-SP) e Mestre (USP) em Direito Processual, membro do Ibradim.

Fonte: Migalhas